Entende-se por terapêutica fetal medicamentosa ou clínica, quando nos valemos da administração de certos medicamentos específicos, visando o tratamento de alguma patologia fetal. Podemos utilizar a via transplacentária, com a administração materna do fármaco; a via intravascular, onde o medicamento atinge diretamente o espaço intravascular fetal através da cordocentese; ou ainda através da via intra-amniótica, onde infundimos o medicamento diretamente na cavidade amniótica através de uma amniocentese.

Importante salientar que devemos fazer prévio julgamento a respeito da real necessidade do uso de medicamentos, avaliando-se sempre a relação risco / benefício, tendo em vista que se trata de paciente frágil, sensível e especial, pois ainda se encontra em fase de desenvolvimento.

Dentro deste critério, duas importantes questões devem ser levantadas antes de qualquer atitude intervencionista: 1) A patologia diagnosticada, se não tratada, comprometerá a vida ou o desenvolvimento do concepto? 2) A terapêutica proposta melhoraria o prognós- tico neonatal do concepto?

Com a evolução da Medicina Fetal, assistimos a um número cada vez maior de situações patológicas em que o concepto se beneficia do uso de medicamentos ainda em sua vida intra-uterina (Tabela 1).

 

 

13. 1. Arritmia Cardíaca Fetal

O exame ultra-sonográfico rotineiro é capaz de rastrear as alterações no ritmo cardíaco na maioria dos casos, conhecedores que somos da freqüência cardíaca fetal basal em suas diferentes fases da vida intra-uterina. Num segundo estágio, a ecocardiografia fetal é capaz de diagnosticar o tipo de arritmia, para que possamos instituir a terapêutica adequada.

A taquicardia supraventricular é uma das arritmias em que o concepto mais se beneficia- ria com a intervenção medicamentosa adequada, tendo em vista seu potencial de evolu- ção para insuficiência cardíaca e hidropisia fetal.

Como primeira opção de tratamento, utilizamos a via transplacentária, com a administração materna de digoxina pela via oral. O tratamento deverá ser acompanhado pelo cardiologista, devido aos riscos de intoxicação materna. A reversão da arritmia deverá ocorrer em aproximadamente 72 horas. Nos casos rebeldes, nos quais a reversão da arritmia não ocorreu, ou em fetos já com sinais de insuficiência cardíaca ou hidropisia, lançamos mão da via intravascular, com a administração da digoxina diretamente na circulação fetal através da cordocentese (Tabela 2). Eventualmente se faz necessário a associação de outras drogas tais como verapamil, propanolol e procainamida para obtermos o sucesso desejado.

 

13.2. Hiperplasia Adrenal Congênita (HAC)

Caracteriza-se como condição resultante da deficiência enzimática da 21-hidroxilase, pro- movendo assim a elevação dos níveis de 17 hidroxi-progesterona e androgênios, com conseqüente masculinização da genitália dos fetos femininos. Leva a quadros de pseudo- hermafroditismo.

A suspeita diagnóstica passa a existir em casais com filho anterior portador de tal patolo- gia, estando portanto nestes casos indicado a confirmação diagnóstica através de estudo genético específico (sondas de DNA) ou ensaios enzimáticos feitos através da biópsia de vilo corial ou da amniocentese (Tabela 3).

O tratamento deve ser iniciado precocemente, por volta da sétima semana de gestação, com o uso de dexametasona (0,25 mg de 6/6 horas até o termo), antes mesmo do diagnóstico de certeza, para que não haja influência na diferenciação da genitália. Em fetos masculinos, ou não se confirmando o diagnóstico através do estudo genético, interrompe- se o tratamento.

 

13.3. Hipotireoidismo

Ao ultra-som, a presença de massa na região anterior do pescoço fetal, com projeção posterior acentuada na região cervical, nos faz pensar em bócio. A polidramnia pode estar presente devido à compressão do esôfago, podendo ser causa de trabalho de parto pre- maturo. O hipotireoidismo fetal é causa de atraso no desenvolvimento psicomotor fetal, retardo mental e deficiências no processo de maturação pulmonar.

Os bócios, de ocorrência rara, estão mais comumente associados ao hipotireoidismo, e são resultados da deficiência da ingestão materna de iodo, da intoxicação materna pelo iodo, do uso materno de medicamentos de ação antitireoidiana, ou de erros inatos fetais na síntese de hormônios da tireóide.

A confirmação do diagnóstico de hipotireoidismo se faz através de provas de função tireoidiana no sangue fetal colhido por cordocentese.

O tratamento ainda intra-útero, deve ser feito com infusões intra-amnióticas semanais de 300 a 500 mcg de tiroxina, entre 32 e 40 semanas de gestação (Tabela 4).

 

13.4. Hipertireoidismo

Na maioria das vezes, é resultante da passagem transplacentária de imunoglobulinas tireóide estimulantes, independentemente da mãe apresentar ou não a Doença de Baseadow-Graves. A suspeita clínica se faz quando presente taquicardia fetal, hipermo- bilidade e/ou insuficiência cardíaca de alto débito – Síndrome hipercinética fetal.

O tratamento se baseia na oferta de propiltiouracil, via oral materna, com dose inicial de 200 mg, e após, 150 mg três vezes ao dia durante 5 semanas (Tabela 5).

13.5. Defeitos do Tubo Neural Fetal (DTN)

O uso de suplementos vitamínicos no pré-natal após 14 semanas de gestação, já é prática antiga em obstetrícia, pois sabemos da necessidade extra das gestantes em consumir determinadas substâncias como ferro, ácido fólico, entre outras.

Sabemos que a maior parte das gestações afetadas por DTN ( i.e. espinha bífida, mielo- meningocele, meningocele ) não é previsível, ou seja, não tem história anterior de filho aco- metido e são diagnosticadas em exame ultra-sonográfico de rotina. Por estas razões expos- tas, e visando fundamentalmente a prevenção, instituiu-se nos últimos anos o uso de ácido fólico na dose de 2mg/dia , via oral, como rotina pré-natal, iniciando sua utilização, se possível, um mês antes do início da gestação (período pré-concepcional) e se estendendo até 9 semanas. Nas pacientes com história pregressa positiva utiliza-se a dose de 5 mg/dia (Tabela 6).